quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Roadie: A Classe Mais Trabalhadora do Mundo da Música Conta Algumas Histórias

Foto: André Luiz Mello
A vida não é fácil, todo mundo sabe disso. Cada um com seus problemas, dúvidas, programas e correrias. Mas talvez exista um pessoal que corre mais do que todo mundo. Essa galera que está sempre meio escondida nos cantos dos palcos, com roupas escuras, passando desapercebida, é a que, provavelmente, mais entende de música no meio. Os roadies são a classe mais trabalhadora, que dá mais duro. São aqueles que chegam primeiro e saem por último e só vão para casa depois que o equipamento foi entregue na casa do artista ou no seu devido lugar de origem.

Vida Dura

Um roadie deve, basicamente, entender de tudo um pouco. Aqueles que mais se destacam entendem bastante de tudo. Dentre as obrigações estão: saber afinar uma guitarra ou baixo, montar uma bateria, saber regular os amplificadores, ser um pouco eletricista, estar em forma para correr quando o pedestal do microfone cair (ou quando o cantor atirá-lo longe), carregar peso e saber como o artista gosta do seu café. Em resumo, um roadie deve estar ligado 100% no artista e no andamento do show. Existem roadies que tomam conta só da bateria, ou só da guitarra, só do artista principal ou de tudo. Talvez o maior desafio seja passar por cima das diversas dificuldades que surgem antes ou durante um show.
Pedro Ribeiro conta sobre um show dos Paralamas do Sucesso no Estádio de Remo da Lagoa em 1986: "Estava chovendo e a água lavava de um lado ao outro do palco, dava choque em tudo! Até a bateria dava choque, inclusive os pratos. A gente estava trabalhando com luvas de borracha, mas nem assim nos livramos. A pedaleira do Herbert queimou, mas eles continuaram tocando". Josino Feitosa também teve problemas com a chuva: "A Elba (Ramalho) já cantou tomando choque no palco, tendo que enrolar uma toalha no microfone. Ela tem o costume de cantar descalça; quando tem, nós colocamos uma chinela de dedo, senão vai sem chinela. Volta e meia, durante a música, ela dá uns gritinhos".

A falta de estrutura também é um fator que dificulta muito a vida dos roadies. "Eu já fiz show com os Engenheiros do Hawaii no Rio Grande do Sul, em que tivemos que colocar umas vinte caixas de cerveja no chão com meia dúzia de folhas de compensado para construir um palco", conta Iran Bernardes. Mas não é só no Brasil que as coisas podem ficar feias para os roadies. João Ribeiro relembra uma situação muito chata no exterior: "Numa passagem pela Sicília, na Itália. Nós não levamos bateria e quando eu fui montar o backline, um italiano cismou que eu tinha arranhado a bateria dele toda. Aí ele cresceu para cima de mim, os técnicos de PA e monitor e o outro roadie se meteram e quase saiu porrada em cima do palco. Só quando o produtor do festival tirou o italiano de lá é que nós voltamos a trabalhar".

Desafios

Segundo Pedro Ribeiro, o maior desafio de um roadie é "pegar um músico chato e satisfazê-lo". Todos sabemos que músicos às vezes se acham mais estrelas do que os cantores, têm manias mais excêntricas, querem aparecer mais. Mas será que só os músicos fazem isso? "Vários roadies também se acham estrelas. Não fazem nada, chegam e falam 'eu só afino a guitarra, não carrego amplificador'. Vai para o camarim e só fica com o artista, só trabalha com o headliner", conta Pedro. Para um roadie chegar a uma situação dessas é necessário ser bom. Sendo bom, não há o que discutir. Mas como quase tudo nessa vida, uma boa política é essencial. O roadie agrada o artista, ele gosta, o traz para perto e daí é só se acomodar com a situação.
João Ribeiro acha o trabalho de roadie sacrificante: "É barra pesada. Tem horas que dá vontade de jogar tudo para o alto. Você escuta coisas que não deve, reclamações de músicos que acham que você tem culpa das coisas. A gente é escravo mesmo".
Um dos desafios - não só para os roadies - é a língua. Não falar a língua local nem o básico do inglês pode complicar as coisas. "Você tem que trabalhar através de gestos. A maior dificuldade que eu passei foi na Alemanha. Para obter um copo de água você tinha que se expressar muito", conta Josino.
A tarefa principal do roadie é nunca deixar que os problemas sejam maiores do que o show, não importa quantos desafios tenha que vencer. Já cantava o Queen: "The Show Must Go On". Cancelar o show não é uma opção.


Preocupar-se com a manuntenção do equipamento é uma das regras básicas dentro da carreira de roadie

Por Que Ser Roadie?

A maioria deles já era músico antes de começar a ser roadie. É o que torna o trabalho mais fácil. Já é meio caminho andado você entender do assunto com o qual vai trabalhar. "Minha escola foi no estúdio. Eu trabalhei um pouco mais de um ano na TV Tupi. Eu já era músico e tive uma oportunidade de fazer uma excursão com o Paulo Ricardo; depois disso fui passando de um conjunto para o outro. Com os Engenheiros eu até dava uma canja nos shows", diz Iran.
Ser roadie, para alguns, é um privilégio. "Você tem a oportunidade de conhecer o mundo e ainda ganha dinheiro", diz Josino Feitosa. Ele se tornou roadie através de um convite do cunhado. Josino era garçom em São Paulo e seu cunhado, o Pimpa, que já era roadie há um bom tempo, o chamou para fazer uma experiência. "Eu fiz, gostei e não parei mais".

Interação

Existem dois tipos de equipe: as que são formadas para uma turnê de seis meses ou um ano. Esses se dão bem, mas nem sempre, não chegam a ter aquele sentimento de família. Em casos como o Skank, Sepultura ou Paralamas, a equipe já está junta há anos, ninguém deixa passar o furo do outro. Esse é o tipo de base que funciona, pois um já sabe o que o outro pensa, como agir e pode tomar uma decisão pela outra pessoa. Quando o artista é grande, quem trabalha junto acaba se tornando uma família paralela, pois passa mais tempo na estrada do que com a própria família. O que pode pesar é que com tanto tempo longe de casa, sua vida pode ficar em segundo plano. São vinte dias de turnê, três dias em casa e depois mais um mês viajando. Mas sempre compensa. Você faz amizades nos lugares onde passa, vive situações diferentes a cada show, faz uma bagagem. Nos festivais acontecem reencontros, todos relembram situações engraçadas, trocam informações...

Pedro Ribeiro num breve intervalo durante o Rock in Rio 3

Os Mandamentos

Para tudo dar certo é necessário que sejam seguidas algumas regras básicas: manutenção do equipamento, montar tudo direito e bem apertado, estar prevenido, se preocupar com a passagem de som, ter uma boa relação com o músico e com o resto da equipe e saber o que você está fazendo. "O artista não deve se preocupar com nada a não ser o show, nós temos que servir ao artista", diz Pedro. Chegar cedo e montar o equipamento com calma também é fundamental. Mas o trabalho de roadie não está limitado a fazer um show perfeito sempre. Onde mais se aprende é na estrada, passando por situações problemáticas, tomando chuva, se metendo em roubadas.
Uma estrutura bem montada é ótimo, mas você corre o risco de ficar mal acostumado. João Ribeiro dá uns conselhos essenciais para uma boa convivência: "Não se deve nunca transferir responsabilidades em qualquer situação. Você deve arcar com o seu erro. Não se deve também peitar o músico, mas se impor e passar o problema para a produção". Outro mandamento importante do roadie é o sigilo. "Tem que ser um túmulo. O que você ouve no camarim do artista não pode ser comentado no camarim dos músicos. Você sabe de tudo, mas não pode falar nada", diz Josino.

Atualização

Estar atento ao que o mercado oferece é muito importante. Comprar uma revista, encomendar um catálogo, ir a uma loja ou feira. Sempre existe um pedal novo, um cabo mais resistente, uma nova guitarra, um transmissor sem fio ou um amplificador mais potente sendo lançados. Mesmo que os roadies não tenham banda eles estão sempre ligados a esse mundo de novidades. Talvez um momento em que exista uma grande troca de informação seja nos festivais. Quando várias bandas se apresentam juntas, todos os roadies, técnicos e músicos comentam sobre o equipamento novo, uma peça diferente que outra pessoa viu além da literatura que desperta o interesse da maioria. É como se fosse uma convenção. É muito pessoal estar ligado a essas novidades, mas sempre vale ter uma opinião com base, com o ponto de vista técnico, para oferecer seu conhecimento ao músico. Mas nem todos os roadies se interessam em pesquisar novos produtos, muitos preferem aprender no dia-a-dia ou com os próprios músicos.

Dicas

Pedro Ribeiro conta que se deve evitar ao máximo os aviões. "A S.A.T.A ( não cuida da aparelhagem, ela acha que o material está dentro da case, então pode bater porque a case vai proteger. É difícil você embarcar três cases e não chegar com uma quebrada do outro lado. Nós já vimos jogarem uma caixa de 120kg do alto do avião. Eles não têm respeito mesmo". O transporte terrestre demora um pouco mais, mas acaba valendo mais a pena levar tudo de ônibus, van, caminhão ou Kombi do que se arriscar a perder o material. "Eu costumo dizer que se você tem uma guitarra que você curte muito é melhor deixar em casa, pois o equipamento de estrada está sujeito a muitas avarias, vai no caminhão balançando", conta Iran Bernardes. Somente em casos em que é inevitável o transporte de avião é que se é obrigado a entregar-se aos caprichos dos "maleteiros". "O pior problema no transporte é quando você chega num lugar e pede um ônibus e os caras aparecem com uma Kombi. O pior é a produção local não atender o que pede a produção do artista", diz Josino.
Outro problema é o roubo, também freqüente no transporte aéreo. Outra dica é andar na estrada com a nota fiscal de tudo, pois você está arriscado a passar por contrabandista. O que pode ser feito é uma relação de tudo em nome da firma. Se a polícia parar, eles ligam para a firma e lá vai ter a nota fiscal. Indo para o exterior, é recomendável que se procure a Polícia Federal uma semana antes, para que a investigação do que você está levando seja feita. Imagine como deve ser desagradável ter que mostrar prato por prato, cabo por cabo durante três ou quatro horas.
Uma outra dica é que é bom, se possível, ter sempre dois de cada. Iran Bernardes diz que quando trabalhava com Lulu Santos ele sempre tinha um sobressalente de cada peça, desde a guitarra, até o cabo ou pedal. No caso de uma avaria é importante ter a opção de poder trocar o equipamento, não só a corda da guitarra que arrebentou.


Pedro Ribeiro - Paralamas do Sucesso, Plebe Rude, dos quais foi empresário; Legião Urbana, Fernanda Abreu, Kid Abelha, Ultraje a Rigor, Léo Jaime, Lobão e vários festivais.
Um dos seus melhores shows foi com os Paralamas para cem mil pessoas em La Plata, na Argentina. "Um show em que eu gostaria de ter trabalhado era com The Clash".

Iran Bernardes - Engenheiros do Hawaii, Paulo Ricardo, Gabriel, o Pensador, Djavan, Ed Motta, Lulu Santos, Milton Guedes e mais uma porção de artistas. Seu melhor trabalho foi a última turnê do disco ao vivo do Djavan, mas destaca o profissionalismo de Lulu Santos. "Eu gostaria de fazer um show com os Rolling Stones, a maior banda de rock do mundo. Minha escola foi com bandas de rock".

João Ribeiro - Caetano Veloso, Gilberto Gil, Zélia Duncan e seus melhores shows foram com o Gil, com quem já trabalha há oito anos. "Eu gostaria de trabalhar com o Lulu Santos, se tivesse a oportunidade. Acho que seria uma experiência legal".

Josino Feitosa - Chico César, Elba Ramalho, Fernando Moura, Cidinho e com vários outros músicos, principalmente nos shows beneficentes que Elba Ramalho faz. "Eu adoraria trabalhar com o Michael Jackson".

Máteria:
Pedro de Abreu Cidade

Contéudo Retirado do Site:
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